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O enigma do aumento de gêmeos em meio à queda da natalidade

Mesmo com a queda da natalidade, nascimentos de gêmeos estão em alta. Descubra os fatores por trás desse fenômeno e seus impactos na sociedade.

Nos últimos anos, um fenômeno curioso vem intrigando cientistas e demógrafos ao redor do mundo: enquanto as taxas globais de natalidade estão em declínio, o número de gêmeos e trigêmeos nunca foi tão alto. Essa aparente contradição representa um dos mais fascinantes enigmas da reprodução humana e pode ter implicações profundas para a saúde pública, a economia e a própria biologia da espécie.

Pela primeira vez na história registrada, observamos uma dissociação entre a taxa de natalidade geral e a incidência de gestações múltiplas. Em tempos anteriores, ambas seguiam uma correlação relativamente previsível: conforme menos bebês nasciam, menos partos de gêmeos eram registrados. Agora, no entanto, essa equação mudou.

Mas o que está por trás dessa mudança? A resposta envolve uma complexa interseção entre fatores biológicos, sociais e tecnológicos.

A biologia dos nascimentos múltiplos

A gestação de gêmeos pode ocorrer de duas formas principais:

  1. Gêmeos monozigóticos (idênticos): originados de um único óvulo fertilizado que se divide, gerando dois indivíduos geneticamente idênticos.
  2. Gêmeos dizigóticos (fraternos): resultantes da fertilização de dois óvulos distintos liberados no mesmo ciclo.

O aumento de gestações múltiplas está fortemente ligado ao fenômeno da hiperovulação, quando mais de um óvulo é liberado simultaneamente. Esse processo é influenciado por fatores genéticos, mas também por variações hormonais que ocorrem com a idade materna. Mulheres mais velhas apresentam maior probabilidade de liberar múltiplos óvulos por ciclo, o que pode explicar parte do aumento recente de gêmeos.

Além disso, avanços na compreensão da biologia reprodutiva têm permitido que tratamentos de fertilidade aumentem significativamente as chances de gestações múltiplas.

O papel da idade materna avançada

Os padrões reprodutivos mudaram drasticamente nas últimas décadas. Enquanto há algumas gerações a maioria das mulheres tinha filhos na faixa dos 20 anos, hoje é cada vez mais comum que engravidem após os 30 ou até mesmo os 40 anos.

Isso se reflete nos dados: em 2023, no Reino Unido, apenas 1 em cada 2.000 partos de mulheres com menos de 20 anos foi múltiplo. Entre mulheres de 35 a 39 anos, esse número sobe para 1 em 57.

Essa relação entre idade e nascimentos múltiplos decorre das mudanças hormonais que ocorrem conforme a mulher se aproxima da perimenopausa. Nesse período, a regulação dos hormônios FSH e LH se torna menos estável, favorecendo a hiperovulação e, consequentemente, a concepção de gêmeos fraternos.

A revolução dos tratamentos de fertilidade

A medicina reprodutiva avançou a passos largos, permitindo que cada vez mais pessoas tenham filhos através de tecnologias como a fertilização in vitro (FIV). No entanto, nos primórdios da FIV, era comum a implantação de múltiplos embriões para aumentar as chances de uma gestação bem-sucedida, o que levou a um crescimento expressivo do número de gêmeos e trigêmeos.

Nos anos 1990, cerca de 28% das gestações resultantes de tratamentos de fertilidade eram múltiplas, contra uma taxa natural de apenas 1% a 2%. Esse aumento levou a um grande esforço para limitar o número de embriões implantados por ciclo, culminando na campanha “One at a Time”, que reduziu significativamente os nascimentos múltiplos decorrentes de FIV no Reino Unido – caindo para 4% nos últimos anos.

No entanto, o turismo reprodutivo e o custo elevado dos tratamentos no Reino Unido fizeram com que muitos casais buscassem clínicas em países onde a transferência de múltiplos embriões ainda é mais comum, elevando a taxa de partos múltiplos nessas populações.

O impacto dos nascimentos múltiplos na sociedade

Embora o nascimento de gêmeos ou trigêmeos seja motivo de alegria para muitas famílias, ele traz desafios consideráveis – tanto biológicos quanto socioeconômicos.

No Reino Unido, por exemplo, a taxa de natimortos em gêmeos é quase o dobro da registrada em gestações únicas. Além disso, partos múltiplos frequentemente ocorrem prematuramente, aumentando a necessidade de internações neonatais e cuidados médicos intensivos.

Os desafios continuam nos primeiros anos de vida, com custos significativamente mais altos. Criar gêmeos pode custar pelo menos £20.000 a mais do que ter dois filhos únicos em momentos distintos, devido a despesas com fraldas, alimentação, vestuário e equipamentos duplicados.

Adicionalmente, o impacto emocional e físico sobre os pais de gêmeos não pode ser subestimado. Estudos sugerem que mães de múltiplos enfrentam taxas mais altas de exaustão, depressão pós-parto e dificuldades no equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

O futuro: menos bebês, mais gêmeos?

As projeções para os próximos anos indicam um cenário paradoxal. Por um lado, as taxas de natalidade continuam caindo globalmente devido a fatores como urbanização, acesso à contracepção e mudanças culturais. Por outro, o aumento da idade materna e a crescente demanda por tratamentos de fertilidade sugerem que a porcentagem de partos múltiplos pode continuar a subir.

Uma análise de países de baixa renda prevê que até 2100 veremos um aumento no número absoluto de partos múltiplos, à medida que mulheres nessas regiões também adiarem a maternidade. Isso pode ter impactos profundos sobre os sistemas de saúde, que precisarão se adaptar às necessidades dessas gestações de maior risco.

O aumento dos partos múltiplos, mesmo em um cenário de declínio da natalidade, é um exemplo fascinante de como a biologia humana interage com fatores sociais e tecnológicos. Seja pela idade materna avançada, seja pelo uso crescente de tratamentos de fertilidade, essa tendência levanta importantes questões para a medicina e para as políticas de saúde pública.

Compreender e antecipar os desafios impostos por essa mudança pode ajudar a garantir que as famílias que esperam múltiplos tenham o suporte necessário – desde o pré-natal até os primeiros anos de vida. Afinal, a ciência nos ensina que a reprodução humana é um processo complexo e dinâmico, moldado não apenas pela biologia, mas também pelo contexto em que vivemos.

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