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Atividades que Conectam: Como Hobbies Criam Amizades

Entrar numa academia de escalada lotada em Londres numa sexta-feira à noite foi, para mim, um mergulho direto no desconhecido.

Descubra como hobbies como esportes, escalada, escrita e arte fortalecem amizades e promovem bem-estar emocional e social.

Uma temática que nos é essencial, mas muitas vezes negligenciada na vida adulta.

Mas como, afinal, cultivamos amizades genuínas em meio à correria da vida urbana?

A resposta pode estar em um lugar inesperado: nos hobbies.

O paradoxo das grandes cidades: rodeados, mas sozinhos

Em uma cidade com milhões de habitantes, pode parecer um mar de oportunidades sociais. Ainda assim, como em muitas outras metrópoles, a solidão paira como uma névoa invisível.

E o que a ciência nos mostra é que a qualidade das nossas conexões sociais está profundamente ligada ao nosso bem-estar emocional e físico.

Ao buscarmos formas de nos conectar, atividades prazerosas e estruturadas surgem como pontes potentes — tanto para os outros quanto para nós mesmos.

Como afirmou o psicólogo Arran Davis, da Universidade de Oxford, atividades colaborativas promovem o que chamamos de “intenção compartilhada”: esse reconhecimento mútuo de objetivos que estreita laços e gera pertencimento.

  1. Esportes coletivos: construindo vínculo na ação

Estudos mostram que os esportes coletivos promovem não só a saúde física, mas a emocional e social. Endorfinas, risos, metas comuns e o simples ato de “jogar junto” nos aproximam. É a psicologia do pertencimento se manifestando em quadra. E, sim, mesmo para quem nunca foi fã de esportes com bola, vale tentar — especialmente em ligas inclusivas que priorizam a diversão e o convívio.

  1. Bouldering: superando limites internos e externos

Na academia de escalada, enfrentei outro tipo de desafio. Escalar sem cordas, mesmo em paredes mais baixas, exige foco absoluto. Nesse ambiente, o corpo e a mente são convocados a estarem inteiramente presentes. E isso, por si só, já é terapêutico.

A ciência confirma: estudos indicam que o bouldering pode aliviar sintomas de depressão e fortalecer vínculos entre os praticantes. Mesmo sendo um esporte aparentemente solitário, há uma camaradagem tácita nas pausas, nos incentivos e nas dicas trocadas a cada tentativa de subida. Ali, aprendi que apoio emocional pode vir de um estranho que torce por você em silêncio.

  1. Escrita criativa e clube do livro: palavras que unem

As chamadas interações triádicas, onde o vínculo se constrói a partir de uma atividade externa comum, como um livro ou um tema de escrita, são fundamentais. E são eficazes. Estudos mostram que atividades como escrever ou discutir literatura reduzem sentimentos de solidão, estimulam o crescimento pessoal e promovem a saúde mental.

Além disso, clubes do livro são acessíveis. Em tempos de crise econômica e orçamentos apertados, ler um livro emprestado e discutir com outras pessoas pode ser um bálsamo emocional e social.

  1. Desenho de figura humana: o poder do olhar atento

Estudos sugerem que desenhar promove atenção plena, reduz o estresse e pode até melhorar a imagem corporal. E mais: em ambientes acolhedores como os organizados por Ann Mackowski, a arte vira uma ferramenta de conexão. Não importa se o seu esboço tem ou não proporção — o que importa é estar ali, junto, compartilhando o olhar sobre o outro.

O hobby como portal para si e para o outro

Vivemos uma era marcada pela desconexão, agravada por pandemias, rotinas intensas e um uso excessivo das redes sociais. Por isso, voltar o olhar para hobbies — não como distrações, mas como estratégias de reconexão profunda — pode ser revolucionário.

Seja escalando, jogando, escrevendo ou desenhando, o que realmente buscamos é o outro. E, muitas vezes, é nos pequenos encontros, nas conversas entre uma atividade e outra, que as amizades mais verdadeiras florescem.

5. Aula de desenho: presença, corpo e acolhimento

Para quem acaba de chegar a uma cidade nova — seja por um novo emprego, estudos ou qualquer outro recomeço — há uma solidão que não se explica facilmente. Não é apenas ausência de pessoas, mas falta de raízes, de alguém para mandar uma mensagem simples no fim do dia. Nessas horas, pequenas iniciativas podem ser sementes de pertencimento.

Mas logo percebi algo fundamental: o ambiente certo pode nos acolher antes mesmo que digamos uma palavra.

A aula acontecia em um espaço amplo, silencioso e iluminado por luz natural. Não havia pressa, nem expectativa de perfeição. O foco era no processo — o traço que começa tímido, a linha que hesita e depois se encontra. Ao redor, rostos concentrados, alguns sorrindo discretamente. E, curiosamente, ali surgiu um vínculo sutil entre todos nós: um tipo de intimidade silenciosa, que nasce do olhar atento e do tempo compartilhado.

Estudos em psicologia social e arteterapia mostram que atividades manuais e criativas em grupo geram estados de fluxo — uma imersão plena no momento presente que reduz a autocrítica e aumenta a sensação de conexão. Mesmo em silêncio, há diálogo. E, como disse um dos participantes, “é como se desenhar o corpo do outro fosse também um jeito de enxergar melhor o nosso”.

Para quem está recomeçando a vida em uma nova cidade, essas atividades podem ser uma âncora. Não apenas por criar novas amizades, mas porque nos lembram de quem somos — para além das mudanças e dos deslocamentos.

Recomeçar é mais fácil quando não estamos sós

Estar em transição — seja de cidade, de fase da vida, de relacionamento — nos convida a revisitar quem somos. Muitas vezes, também nos isola. É por isso que encontrar espaços seguros, onde possamos simplesmente “ser”, é tão vital.

Seja no esporte coletivo, na escalada silenciosa, na escrita compartilhada ou no traço do desenho, o mais importante é estar em movimento — não necessariamente com destino certo, mas com presença. E, aos poucos, essas pequenas presenças se tornam conexões, e essas conexões se tornam amizades.

Você não precisa ser o melhor jogador, nem o mais criativo do grupo. Você só precisa aparecer. E isso, por si só, já é um ato de coragem e abertura.

Dicas práticas para encontrar grupos e atividades em uma cidade nova

Se você está se sentindo sozinho ou deseja ampliar seu círculo social, aqui vão algumas sugestões:

  • Busque eventos locais em plataformas como Meetup, Eventbrite ou redes sociais.

  • Participe de clubes com temas que realmente te interessam: leitura, culinária, escrita, jardinagem, etc.

  • Dê uma chance a algo novo, mesmo que pareça intimidante no começo.

  • Vá mais de uma vez. As amizades geralmente não nascem no primeiro encontro, mas na repetição, na constância.

  • Não se cobre demais: você não precisa fazer muitos amigos de uma vez, apenas abrir uma fresta por onde a conexão possa entrar.

Amizade como prática, não como acaso

Muitas vezes, pensamos que amizades acontecem “naturalmente”. Mas a vida adulta nos ensina que, na verdade, amizade é prática. É cultivo. É presença intencional. Ela não surge só porque estamos perto de alguém, mas porque estamos disponíveis, atentos e dispostos a nos conectar.

Quando entramos em um grupo de escalada, um clube do livro ou uma aula de desenho, estamos, no fundo, dizendo: “Estou aqui. Quero estar com outros. Quero pertencer.” E esse desejo, por si só, já nos torna mais humanos.

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