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A felicidade depois dos 60: como a maturidade transforma nossa satisfação com a vida

Se você ainda não chegou aos 60 anos, uma pesquisa recente sobre a felicidade pode trazer duas notícias – uma delas pode parecer preocupante, mas a outra é animadora. O lado menos favorável é que, até essa idade, há uma tendência de aumento na insatisfação com a vida. No entanto, a boa notícia é que, ao atingir os 60, seu nível de felicidade pode alcançar um patamar que você nunca experimentou antes.

Essa descoberta vem da pesquisa Ipsos Happiness Index 2025, que entrevistou quase 24 mil pessoas, entre 18 e 75 anos, em 30 países. O estudo indica que, globalmente, a partir dos 60 anos há uma virada significativa no nível de satisfação pessoal. O fenômeno está alinhado com a chamada “curva em U” da felicidade, observada há anos em diferentes estudos sobre bem-estar subjetivo.

Mas o que explica essa mudança? Por que a satisfação com a vida diminui na meia-idade e depois se recupera na velhice? E, diante de um cenário de mudanças sociais e novas formas de relacionamento, será que essa tendência se manterá no futuro?

A felicidade ao longo da vida: por que a curva em U acontece?

A ideia da “curva em U” da felicidade já apareceu em diversas pesquisas. De forma geral, as pessoas começam a vida adulta com um nível alto de satisfação, mas à medida que envelhecem e enfrentam desafios como pressões financeiras, responsabilidades familiares e inseguranças profissionais, a felicidade tende a declinar.

Esse período de insatisfação atinge o pico logo após os 50 anos, segundo a pesquisa da Ipsos. Contudo, depois dos 60, a curva se reverte: as pessoas relatam um aumento no bem-estar e um sentimento de plenitude que não haviam experimentado antes.

“Você chega aos 60 muito diferente do que chegava 30 anos atrás”, explica Rafael Lindemeyer, diretor da Ipsos. “Hoje, a capacidade de viver bem nessa idade é muito maior. Isso contribui para uma sensação de plenitude e autonomia que se reflete diretamente na felicidade.”

O impacto da estabilidade financeira e das relações sociais

Embora o dinheiro seja um fator importante para o bem-estar, os dados mostram que ele não é o único – e nem mesmo o mais determinante – para a felicidade na velhice. A pesquisa da Ipsos focou em pessoas de classe média para cima, evitando os impactos que a pobreza extrema poderia trazer aos resultados. Afinal, sem o básico garantido, é difícil falar em felicidade.

No entanto, entre aqueles que têm condições financeiras razoáveis, outros fatores passam a ser mais influentes. O principal deles, segundo o estudo, é a qualidade dos relacionamentos. Os entrevistados mais felizes destacaram aspectos como:

  • Relação com a família
  • Sentir-se amado
  • Ter controle sobre a própria vida

Isso significa que, com o tempo, o que nos faz felizes não é simplesmente ganhar mais dinheiro, mas sim fortalecer vínculos e desenvolver um senso de pertencimento.

Menos pressão profissional e mais liberdade para ser quem se é

Outro fator que ajuda a explicar a felicidade depois dos 60 é a menor pressão profissional. Na juventude e na fase adulta, o trabalho e a necessidade de estabilidade financeira são aspectos centrais na vida. Muitas pessoas se cobram intensamente para alcançar grandes objetivos e, quando percebem que algumas metas podem não ser atingidas, podem sentir frustração.

Aos 60, esse cenário muda. Muitas pessoas já saíram do mercado de trabalho ou reduziram sua carga horária, permitindo um equilíbrio maior entre obrigações e lazer. A busca pelo sucesso profissional deixa de ser um fator central, e as pessoas começam a valorizar mais as pequenas alegrias do dia a dia.

Além disso, há uma mudança no que realmente importa. A psicóloga Renata Rivetti explica que, ao longo da vida, as pessoas começam a perceber que a felicidade não está nas conquistas materiais, mas na clareza sobre quem realmente são e no que de fato as faz felizes.

“Chegamos à maturidade com menos necessidade de impressionar os outros e mais senso de pertencimento e conexão”, afirma Rivetti.

O que acontece com a felicidade dos mais jovens?

Se os idosos estão mais felizes, os mais jovens estão no caminho oposto. Dados do instituto de pesquisas Gallup indicam que a satisfação com a vida entre pessoas com menos de 30 anos caiu nos últimos anos, criando um cenário inusitado: os jovens ocidentais estão vivendo uma espécie de “crise de meia-idade precoce”.

Mas o que está por trás dessa insatisfação crescente?

Segundo especialistas, um dos fatores é o aumento da competitividade no mercado de trabalho. Hoje, jovens precisam lidar com mais exigências para se estabelecer profissionalmente e, muitas vezes, competem até mesmo com pessoas mais velhas que continuam trabalhando.

Outro ponto relevante é o impacto das redes sociais. Há uma busca constante por felicidade instantânea, o que pode levar a frustrações. A psiquiatra Ana Lembke explica que a cultura digital reforça a busca por picos rápidos de dopamina, como curtidas e interações online, mas sem criar vínculos reais e duradouros.

Nos Estados Unidos, um estudo mostrou que o tempo que jovens passam com amigos caiu 70% nas últimas duas décadas. O resultado? Um aumento nos níveis de solidão e uma percepção de vida menos satisfatória.

O futuro da felicidade: desafios e mudanças na estrutura familiar

Se a principal fonte de felicidade apontada pela pesquisa é o relacionamento familiar, surge uma questão importante: o que acontece quando as famílias se tornam menores?

O Brasil tem acompanhado uma queda na taxa de natalidade e um aumento no número de pessoas vivendo sozinhas. Em apenas 10 anos, a quantidade de lares unipessoais passou de 12,2% para 15,9%. Se essa tendência continuar, as novas gerações podem enfrentar desafios adicionais para encontrar felicidade na velhice.

Diante disso, especialistas sugerem que a noção de “família” pode se expandir para incluir redes de apoio mais amplas. Amizades, comunidades e grupos sociais podem assumir um papel ainda mais central na construção do bem-estar futuro.

A felicidade ao longo da vida segue um padrão curioso: um declínio gradual na meia-idade e uma recuperação significativa após os 60 anos. Esse fenômeno pode ser explicado por mudanças na percepção sobre o que realmente importa, maior estabilidade emocional e menor pressão social e profissional.

No entanto, o cenário pode mudar no futuro. Com as novas dinâmicas familiares e sociais, será essencial encontrar novas formas de conexão e pertencimento. Afinal, se há um fator que os estudos deixam claro, é que a felicidade raramente vem sozinha – ela nasce das relações que cultivamos ao longo da vida.

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