A cada batida do coração, um homem pode produzir cerca de mil espermatozoides. E durante uma única relação sexual, mais de 50 milhões desses nadadores microscópicos são lançados em uma jornada que parece saída de uma epopeia biológica: alcançar e fertilizar um único óvulo. No entanto, embora este processo pareça simples — uma corrida, um vencedor —, a verdade é que muito sobre essa saga microscópica ainda permanece envolto em mistérios científicos.
Mesmo após quase 350 anos desde que o esperma foi observado pela primeira vez no microscópio, questões fundamentais seguem em aberto: como exatamente o esperma nada? Como ele localiza o óvulo? E, afinal, como se dá o processo preciso da fertilização?
“É surpreendente o quanto ainda não sabemos”, afirma Sarah Martins da Silva, especialista em biologia reprodutiva na Universidade de Dundee, no Reino Unido.
O esperma: uma célula fora dos padrões
O que torna o esperma tão intrigante para os cientistas é, em parte, o fato de ser uma célula profundamente diferente de qualquer outra no corpo humano. Como destaca Martins da Silva, essas células não compartilham o mesmo tipo de metabolismo nem utilizam energia da mesma forma que as células tradicionais. Elas são desenhadas, literalmente, para uma missão: levar metade da informação genética masculina até o óvulo. E fazem isso com uma eficiência surpreendente — mas também com um grau de fragilidade e imprevisibilidade que a ciência ainda luta para entender.
Além disso, os espermatozoides são as únicas células humanas capazes de sobreviver fora do corpo, mesmo que por tempo limitado. Essa característica, por si só, já os coloca em uma categoria biológica à parte.
Da descoberta aos enigmas atuais
A história da ciência do esperma começa em 1677, quando o holandês Antoni van Leeuwenhoek, usando um microscópio rudimentar, observou o que descreveu como “animálculos” no sêmen. Sua visão da reprodução humana estava profundamente enraizada na crença, comum na época, de que cada espermatozoide continha um ser humano em miniatura.
Somente dois séculos depois, em 1869, Johannes Friedrich Miescher isolou, a partir do esperma de salmão, uma substância que ele chamou de “nucleína” — hoje conhecida como DNA. Isso abriu caminho para descobertas que revolucionariam a genética.
No entanto, mesmo com os avanços espetaculares da biologia molecular, entender como o esperma funciona continua sendo uma das fronteiras mais desafiadoras da ciência.
Mais do que uma bolsa de DNA
Por muito tempo, os cientistas resumiam o espermatozoide a uma cauda impulsionadora acoplada a uma cápsula de DNA. Mas essa visão se mostrou excessivamente simplista.
“Na realidade, o esperma carrega não apenas os cromossomos paternos, mas também informações epigenéticas cruciais”, explica Adam Watkins, da Universidade de Nottingham. Essas informações definem como e quando determinados genes devem ser ativados no embrião — e podem impactar a saúde da prole por toda a vida.
Ou seja, o espermatozoide é muito mais do que um mero veículo genético. Ele carrega uma assinatura biológica complexa que molda o desenvolvimento do embrião desde os primeiros minutos da fecundação.
Uma metamorfose celular radical
A jornada do esperma começa nos túbulos seminíferos dos testículos, onde células inicialmente redondas sofrem uma transformação dramática. Elas desenvolvem uma cabeça compacta que carrega o DNA e um flagelo — a cauda — que permite a locomoção.
Nenhuma outra célula humana passa por uma metamorfose estrutural tão intensa. Ao longo de aproximadamente nove semanas, o espermatozoide atinge sua maturidade e, se não for ejaculada, é reabsorvida pelo próprio organismo.
O movimento: um código de Turing?
Por décadas, acreditou-se que o movimento do esperma se dava através de um simples balançar lateral da cauda, como o de um girino. No entanto, em 2023, uma equipe da Universidade de Bristol desafiou essa ideia ao revelar que a ondulação do flagelo segue padrões matemáticos previstos por Alan Turing, o célebre matemático britânico.
Turing, conhecido por seu trabalho na quebra dos códigos nazistas, também desenvolveu uma teoria sobre como reações químicas podem gerar padrões na natureza — desde manchas em peles de animais até formas de folhas. Surpreendentemente, o movimento do esperma parece obedecer a essas mesmas leis.
Esse avanço não é apenas uma curiosidade matemática. Compreender exatamente como o esperma se move pode ser fundamental para tratar certos tipos de infertilidade masculina.
Como o esperma encontra o óvulo?
Após ser lançado na corrida, o esperma precisa atravessar uma verdadeira pista de obstáculos. Primeiro, supera o colo do útero. Depois, navega pelo útero até as trompas de falópio, onde, em algum ponto, encontrará — se tiver sorte — um óvulo.
Mas como ele sabe para onde ir? A resposta permanece parcial. Evidências sugerem que sinais químicos emitidos pelo óvulo, ou pelas células ao seu redor, ajudam a guiar os espermatozoides. Há também hipóteses de que eles usem receptores semelhantes aos do paladar para “degustar” o caminho certo.
Ainda assim, muitos se perdem no trajeto. Erram a curva, ficam presos, ou simplesmente não resistem às condições do ambiente feminino.

O último desafio: romper a fortaleza do óvulo
O óvulo não está desprotegido. Ele é cercado por três camadas que funcionam como uma armadura biológica. Para atravessá-las, o espermatozoide libera enzimas digestivas contidas no acrossomo — uma estrutura na sua cabeça. Apenas um, no máximo, conseguirá completar a missão.
Quando finalmente ocorre a fusão, o óvulo desencadeia uma série de reações bioquímicas para impedir a entrada de outros espermatozoides, evitando a polispermia — uma condição que inviabilizaria o desenvolvimento do embrião.
O papel invisível da evolução feminina
Scott Pitnick, biólogo da Universidade de Syracuse, chama atenção para um dado frequentemente ignorado: a evolução do esperma não pode ser compreendida sem considerar o ambiente no qual ele atua — o trato reprodutivo feminino.
Curiosamente, algumas espécies de moscas produzem espermatozoides gigantes, 20 vezes maiores que seus próprios corpos. Isso, segundo Pitnick, é fruto de uma corrida evolutiva impulsionada pela seleção sexual feminina. Em outras palavras, são as características internas do corpo das fêmeas que definem, em grande parte, como os espermatozoides evoluem.
“O esperma é o tipo de célula mais diversificada e de evolução mais rápida no planeta”, afirma Pitnick. E entender como ele se desenvolve exige olhar não apenas para os testículos masculinos, mas também para os complexos mecanismos do corpo feminino.
O alerta da ciência: fertilidade em risco

Embora a biologia do esperma fascine, ela também traz preocupações. Estudos mostram que a contagem global de espermatozoides está em queda — e o declínio vem se acelerando nas últimas décadas.
De acordo com um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de um em cada seis adultos no mundo enfrenta algum grau de infertilidade, sendo que a contribuição masculina responde por aproximadamente metade desses casos.
Entre os fatores apontados estão poluição, tabagismo, consumo excessivo de álcool, dietas desequilibradas, sedentarismo e estresse crônico. Contudo, em muitos casos, a causa permanece misteriosa.
“Há muitas peças móveis nesse sistema. Pequenos erros no formato, na motilidade, ou no empacotamento do DNA podem ser suficientes para comprometer a fertilidade”, explica Hannah Morgan, pesquisadora da Universidade de Manchester.
Desvendando os segredos microscópicos
Apesar dos avanços, a ciência ainda engatinha na compreensão dos mecanismos moleculares que determinam o sucesso — ou fracasso — do espermatozoide. Pesquisas sobre genética, epigenética e bioquímica do esperma podem, no futuro, não apenas esclarecer os mistérios da fertilização, mas também oferecer novas soluções para os crescentes desafios da fertilidade humana.
No final das contas, desvendar a jornada do espermatozoide é mais do que satisfazer uma curiosidade científica. É entender um dos processos fundamentais da vida — e, talvez, garantir que ela continue florescendo nas gerações futuras.