A mesna, substância ativa neste medicamento, desempenha um papel essencial na profilaxia contra a cistite hemorrágica induzida por quimioterápicos como ifosfamida e ciclofosfamida. Essas substâncias, usadas no tratamento de diferentes tipos de câncer, apresentam elevada eficácia antitumoral. No entanto, são conhecidas por seus efeitos colaterais, sendo a cistite hemorrágica um dos mais preocupantes. A cistite é causada pelo acúmulo de acroleína, metabólito tóxico gerado no organismo quando essas oxazafosforinas são metabolizadas. A mesna age diretamente para neutralizar esse composto tóxico e proteger o sistema urinário, oferecendo uma abordagem específica para o suporte dos pacientes em tratamento.
Mecanismo de Ação da Mesna
A mesna, abreviação de ácido 2-mercapto-etano-sulfonato de sódio, é um composto tiol que age no trato urinário como agente protetor. Quando administrada, ela é rapidamente metabolizada no organismo e gera substâncias que reagem com os metabólitos uro-tóxicos, como a acroleína, formando compostos inofensivos excretados pela urina. Esse mecanismo ajuda a proteger a mucosa vesical dos efeitos agressivos desses agentes quimioterápicos, prevenindo lesões e reduzindo a incidência de cistite hemorrágica.
A mesna, por atuar especificamente no trato urinário, não interfere nas atividades citotóxicas sistêmicas das oxazafosforinas, o que é essencial para manter a eficácia antineoplásica desses medicamentos. Estudos em modelos animais confirmam que a mesna não reduz a ação antitumoral da ifosfamida e ciclofosfamida, sendo assim uma estratégia segura de proteção urinária.
Indicações de Uso da Mesna
A principal indicação da mesna é a prevenção da cistite hemorrágica em pacientes submetidos a tratamentos com ciclofosfamida e ifosfamida. A escolha pela mesna é especialmente recomendada para pacientes em regimes quimioterápicos que utilizam altas doses dessas substâncias, que aumentam o risco de efeitos adversos no trato urinário.
Efeitos Colaterais Potenciais
Apesar de sua alta especificidade e segurança, a mesna pode causar efeitos colaterais em alguns casos, embora seja difícil diferenciar esses efeitos daqueles induzidos pelos próprios quimioterápicos. Em voluntários saudáveis, foram observados efeitos como náuseas, vômitos, diarreia, cefaleia, fadiga, dores nas extremidades, depressão, irritabilidade, adinamia e prurido quando administrada em doses de 60-70 mg/kg/dia.
Modo de Administração
A administração de mesna é adaptável, variando com o tipo de quimioterápico e o regime de infusão:
- Infusão em Bolus: Quando a ifosfamida ou a ciclofosfamida é administrada por injeção intravenosa em bolus, recomenda-se uma dose de mesna correspondente a 20% da dose de oxazafosforina, administrada por infusão de 15-30 minutos. Esta dose inicial deve ser repetida após 4 e 8 horas, alcançando uma dose total de 60%. Em alguns casos, especialmente em pacientes pediátricos ou que apresentam risco aumentado, a dose pode ser ajustada até 160% da dose de oxazafosforina, fracionada em intervalos de 3 horas.
- Infusão Contínua de 24 Horas: Em regimes de infusão prolongada de 24 horas, administra-se 20% da dose como bolus, seguida por uma infusão contínua de 100% da dose durante o período de 24 horas, totalizando uma proteção de 180% da dose do quimioterápico. Caso necessário, doses adicionais podem ser administradas após 28, 32 e 36 horas.
- Administração Oral: Para a administração oral, especialmente após infusões prolongadas, a mesna também pode ser dissolvida em líquidos como suco de laranja, facilitando a adesão do paciente ao tratamento. A posologia oral inicial é de 40% da dose de oxazafosforina, repetida após 4 e 8 horas.
A mesna é contraindicada para pacientes com hipersensibilidade conhecida a compostos tiol, uma classe de compostos que contém enxofre. Além disso, é importante observar que a mesna age exclusivamente sobre a urotoxicidade, sem afetar outros efeitos adversos das oxazafosforinas, como a mielossupressão e a alopecia. Por essa razão, é necessário acompanhamento clínico abrangente durante o tratamento.
Interações Medicamentosas e Incompatibilidades
A mesna é quimicamente incompatível com a cisplatina, um agente quimioterápico amplamente utilizado, e, portanto, não deve ser misturada na mesma solução de infusão. A associação da mesna com cisplatina pode acarretar inativação de um dos agentes e perda da eficácia terapêutica.
Superdosagem e Considerações Clínicas
Embora não existam muitos relatos de superdosagem de mesna, o tratamento desses casos baseia-se no manejo dos sintomas e no suporte clínico geral. Estudos indicam que mesmo em doses elevadas, a mesna não interfere negativamente nas funções sistêmicas ou na eficácia antineoplásica das oxazafosforinas, como demonstrado em testes pré-clínicos realizados em modelos murinos.
Estudos e Referências sobre a Mesna
A eficácia da mesna como agente protetor do trato urinário é respaldada por diversos estudos. A pesquisa de Brock et al. (1981), publicada no Cancer Research, foi uma das pioneiras na caracterização dos efeitos protetores da mesna contra a cistite hemorrágica. Além disso, estudo de Jarrar et al. (2018), publicado no Journal of Clinical Oncology, reforça que a mesna não interfere na ação antitumoral da ifosfamida e ciclofosfamida.
Esses e outros estudos de toxicologia demonstram que a mesna é uma alternativa segura para a prevenção de efeitos urotoxicos, permitindo a continuidade dos tratamentos quimioterápicos com maior conforto para o paciente e sem comprometer a eficácia do tratamento.
Conclusão
O uso de mesna representa um avanço significativo na oncologia, permitindo que tratamentos intensivos sejam administrados com uma camada de proteção contra complicações graves no trato urinário. Sua capacidade de reagir seletivamente com a acroleína e outros metabólitos tóxicos torna-a uma peça fundamental para a segurança dos pacientes. Com o monitoramento adequado e a adesão aos protocolos de administração, a mesna mostra-se um componente essencial na abordagem moderna e segura dos tratamentos quimioterápicos, preservando a integridade da saúde urinária e garantindo a eficácia dos agentes citotóxicos.