As qualidades que nos fazem destacar e que inicialmente encantam um parceiro podem, paradoxalmente, se tornar a principal razão para um rompimento. O que antes parecia cativante pode se transformar em algo insuportável, levando ao que psicólogos chamam de “atração fatal”.
Esse conceito descreve o fenômeno em que uma característica que inicialmente nos atrai em alguém se torna, mais tarde, um fator de frustração e descontentamento. Esse processo pode ocorrer de maneira gradual, até que aquilo que antes era encantador se torne motivo de afastamento.
“The Ick”: Quando Algo Nunca Mais Pode Ser Desvisto
O termo “The ick”, uma das palavras recentemente adicionadas ao Dicionário de Cambridge em 2024, ilustra bem essa mudança de percepção. Ele descreve aquele momento em que algo sobre um parceiro, antes tolerável ou até adorável, de repente se torna inaceitável a ponto de nos causar repulsa. Uma vez que esse sentimento surge, ele parece irreversível.
Embora seja frequentemente tratado de maneira bem-humorada, o conceito do “ick” revela como traços inicialmente atraentes podem, com o tempo, se transformar em razões para o rompimento. A psicóloga social Diane Felumlee, da Penn State University, nos Estados Unidos, estuda esse fenômeno há décadas e explica que essa dinâmica não significa que algo mortal ocorreu, mas sim algo “profético” — um indício de que o relacionamento pode não funcionar a longo prazo.
Como a Atração Fatal Se Manifesta?
Durante suas pesquisas, Felumlee pediu que as pessoas descrevessem os motivos pelos quais se sentiram atraídas por seus ex-parceiros e, posteriormente, as razões do término do relacionamento. Em muitos casos, o mesmo traço que cativou no início se tornou um incômodo depois.
Por exemplo:
- Alguém pode admirar um parceiro por ser atencioso e gentil, mas mais tarde sentir que ele se desculpa excessivamente.
- Uma pessoa pode se encantar por um parceiro divertido e brincalhão, mas depois reclamar que ele não leva nada a sério.
- Um trabalho ambicioso e bem-sucedido pode ser atraente à primeira vista, mas com o tempo se torna um problema, pois a pessoa passa tempo demais dedicada à carreira.
- Um parceiro inicialmente percebido como forte e determinado pode acabar sendo interpretado como controlador ou teimoso.
Isso demonstra que, muitas vezes, o que muda não é o parceiro, mas nossa percepção sobre ele. No início, idealizamos suas características e ignoramos possíveis desvantagens. Mas, com o passar do tempo, esses traços se tornam mais evidentes e podem impactar a relação.
A Psicologia por Trás da Mudança de Percepção
O fenômeno da atração fatal pode ser explicado por diferentes fatores psicológicos. Um deles é a cegueira da paixão inicial, que pode nos impedir de enxergar os aspectos negativos de um parceiro. Com o tempo, quando a empolgação inicial diminui, a realidade se torna mais evidente e começamos a notar os impactos reais dessas características.
Outro fator que contribui para essa mudança é a teoria da troca social, que avalia os relacionamentos como uma espécie de balança entre custos e benefícios. De acordo com a psicóloga Samantha Joel, da Western University, no Canadá, casais fazem comparações constantes entre o que recebem e o que sacrificam no relacionamento.
Se os custos — como conflitos, falta de tempo juntos ou incompatibilidades — superam os benefícios, a insatisfação cresce. E, quanto mais forte era a atração inicial por uma característica, maior a chance dela se tornar um problema caso os custos fiquem altos demais.
Existe um caminho para o Sucesso nos Relacionamentos?
Se traços extremos são potencialmente problemáticos, isso significa que devemos procurar parceiros mais neutros e equilibrados? Nem sempre, segundo Felumlee. Na verdade, parceiros que compartilham características semelhantes têm mais chances de sucesso.
Estudos indicam que casais com valores, crenças e estilos de vida parecidos tendem a ter relacionamentos mais estáveis. Um estudo com 79.000 casais britânicos revelou que ter idades semelhantes é um dos fatores mais fortes de compatibilidade. Além disso, fatores como nível educacional, crenças religiosas e até hábitos como o uso de substâncias podem influenciar a harmonia no relacionamento.
Por outro lado, diferenças significativas podem gerar atritos constantes. Um exemplo curioso é o de pessoas que preferem acordar cedo versus aquelas que são notívagas — essa incompatibilidade pode ser um problema maior do que muitos imaginam.
Como lidar com a Atração Fatal?
A boa notícia é que a atração fatal não precisa ser o fim de um relacionamento. Casais podem aprender a gerenciar expectativas e encontrar um equilíbrio entre suas características pessoais.
Algumas estratégias para evitar que a atração inicial se transforme em frustração incluem:
- Autoconhecimento – Reconhecer quais características valorizamos e quais nos incomodam pode ajudar a evitar surpresas desagradáveis no futuro.
- Comunicação aberta – Conversar sobre expectativas e desafios pode fortalecer o relacionamento e evitar ressentimentos.
- Aceitação das diferenças – Em vez de tentar mudar o parceiro, pode ser mais produtivo encontrar formas de equilibrar os pontos fortes e fracos de cada um.
Um exemplo interessante citado por Felumlee é o de um homem que se apaixonou por sua esposa por sua confiança e força de caráter. Anos depois, percebeu que esses mesmos traços a tornavam teimosa em algumas situações. No entanto, ao reconhecer que ele próprio também era teimoso, conseguiu enxergar a situação com mais leveza — e o casal permaneceu junto.
Isso demonstra que, com autoconsciência e diálogo, é possível transformar desafios em oportunidades de crescimento dentro do relacionamento.
A atração fatal é um fenômeno comum e natural, presente em muitos relacionamentos. O que inicialmente encanta pode, com o tempo, se tornar um fator de insatisfação. No entanto, isso não significa que a relação esteja condenada ao fracasso.
Compreender como funciona essa dinâmica, avaliar expectativas e trabalhar a comunicação são estratégias essenciais para construir um relacionamento mais saudável e duradouro. Afinal, aceitar as imperfeições de um parceiro e aprender a equilibrar os extremos pode ser a chave para um amor mais maduro e verdadeiro.